terça-feira, setembro 30
CONTINUIDADE
é poesia, talvez só por isso
nunca tenha conseguido escrever
sem a Companhia das Leituras, dos outros
das suas fontes que me levam
ao outro lado, ao local de
partidas e chegadas.
Não escrevo versos portanto,
escrevo reversos, sou o lado
reverso de todos os poetas.
Escrever, é chegar sem nunca partir
a partir do destino de todos os outros.
NUNCA SE CHORA O MORTO
tanta morte só para se amar a vida
não é razão que justifique. Morrer
é chato, já se sabe, demasiadas flores
excessivas lágrimas e às vezes gritos,
não agrada a ninguém, nem mesmo
ao morto. Descansar em paz
está no direito de todos, uma campa ou
cinzas como alternativa, mas nunca
a vida, essa é para os que aborrecem.
Morrer não é fácil, está mais que visto
a probabilidade é inimiga da razão,
e dos mortos, a vida faz-se serena.
O resto, o folclore, são cadáveres
em decomposição de tanto histerismo.
COCKTAIL
e dá um tiro na goela. Se não chegar,
dá vários até atingires a vitalidade
constrangedora. Quando sentires
o corpo cair, desfalecido: fuma um
cigarro – antes da morte, não há
melhor cliché. E se então
o fumo tóxico te reabilitar, bebe mais um
e outro, e outro, e outro, tantos disparos
quantos os necessários, e logo a seguir
mais um cigarro cliché, e outro
e mais outro, como num ciclo desportivo.
Apenas não contraries a morte
é uma certeza demasiado longínqua.
domingo, setembro 28
O QUE NOS RESTA
amamos as coisas antigas,
cada pedaço desfragmentado
um braço caído, uma época vindoura
acarreta em nós um peso
que só a memória suaviza.
sabemos que sim,
a pureza já esteve mais perto.
sábado, setembro 27
UMA POR CADA ANO QUE PASSOU
IT'S COCK
do q’Os Pássaros. O primeiro realizador
da minha infância – recordada agora
que tenho noção – trouxe-me, um dia destes
essa forma violenta de esbater símbolos.
Todos os seus filmes suscitam temor,
o instrumento utilizado não é uma faca
– isso era no Psico – são as imagens
a partir dum mundo sobre o mundo.
Está mais que visto, sou adepto,
se tivesse de subir 39 Degraus
subiria. Mas o que me fascina mesmo
acho que é a música da sua série televisiva,
de puto se cresce banhado de luz
e nunca hei-de esquecer tal gozo sonoro.
sexta-feira, setembro 26
quarta-feira, setembro 24
O VELHO DO COSTUME
minimiza a miséria no nada. O rio
corre sujo e o velho canta
«Porquê que vamos gostar
de quem não gosta da gente…»
não consegue fugir, tal como eu.
Da jukebox uma música brasileira
embala os turistas que comem:
degustam a tarde de um porto
de sol. Fui caço, não tenho mais
nada, a constatação não é amarga nem
contraditória, é uma voz que nos diz
«A tristeza, não é absoluta nem crónica
é sintomática». E logo a seguir
apaga-se o sol e clareia a noite.
terça-feira, setembro 23
THE END
que o psicotismo das minhas palavras
tornaram-te prisioneira em poemas.
Tu não percebes. Achas que a escrita
é o caminho para ser feliz, enganaste
a escrita: é o local onde te desculpas disso.
Podes dar voltas até à tontura
e encontrar a desculpa que procuras,
de nada me serve, já passou
– só o perceberás
quando assim entenderes.
sábado, setembro 20
HÁ QUE MISTIFICAR
é mais fácil, hoje em dia
cair na paranóia injustificada.
Quantos de nós, por mais
que uma vez, nos sentimos acusados
de algo que o tempo desmentiu?
Muitos. Tenho tanta certeza disso
como tenho de duas mãos que escrevem
e acusam mil e uma coisas avulsas.
O problema é esse, tão culpados do
que quer que seja, tendemos egoistamente
– o que até nem surpreende – a assimilar
uma derrota como nossa e muito nossa.
Será uma tendência pós-religiosa?
Sinceramente não sei, mas algo deve ser.
sexta-feira, setembro 19
DERROTISMO
Diz-me! O quê que se passa?
Ando aborrecido…
Comigo? Não, com tudo
com o mundo. Oh!
De que te serve isso?
Pois… de nada, e o problema
é esse, é recíproco.
quinta-feira, setembro 18
FECHA A GAVETA
o peso do tempo? É certo
que já o suportamos, abraçados,
e tudo o resto são ilusões inevitáveis.
E depois de tudo isto
antes da morte e da dor? Seremos
capazes de suportar como uma ponte
as bases da união e deixar para trás
a lembrança numa bandeja metafísica
para depois nos servirmos satisfeitos?
Penso que não, não fomos feitos
para esta obrigação necrófila
de acarretar hipocritamente o peso das horas
e não duvides, de nada te serve
nem mesmo as palavras nos servem um álibi.
Até quando suportaremos
o peso do tempo? É certo:
nunca o suportamos longínquos
e tudo o resto são soluções a evitar.
quarta-feira, setembro 17
OBRIGADO AO RUI
para cobardias já chegam os gestos dos dias.
Sou um bocado pesado, não tenho como o negar,
sou cento e dez quilos de gente. Se pudesse correr
corria, mas não posso, demasiado peso
reside em mim e a alimentação não engana.
E tudo isto porquê? Já sei que perguntam.
Simples, tal como à mesa, os dias
são pratos repletos de calorias e as noites
são sedes de cerveja que enganam os hábitos.
Portanto, se tenho cerveja e produtos afins
de que me serve a escrita senão para o equilíbrio?
É só por isso que não gosto de sonhadores caligráficos,
por vezes caio por aí, mas a posterioridade ao espelho
conclui que a desilusão umbilical é desnecessária.
Peço imensa desculpa pela arrogância, mas
o tempo dos sonhadores ficou-se pelo era uma vez.
quinta-feira, setembro 11
O ETERNO RETORNO
que nela pesam por gastar. É esse
o preço do dinheiro, o peso de menos
um copo, a fome para menos uma sandes,
a mão, ocupada por símbolos merdosos.
Não me esqueço daquela brasileira
a do para quê tanto dinheiro, tal como
não esqueço que, o corpo, assim como
o dinheiro, é só pra gastar.
E só por isso, – e, caso te condenes
exclusivamente à miserabilidade
das letras – não te esqueças também
de abrir a mão, deixar fugir a pomba:
por mais negra e pesada que seja.
De resto, abrir a mão para esperar troco
é o gesto que se perpetua na escrita.
UM BARRIL QUE NÃO EXPLODE
mesas cheias de copos vazios. É sempre assim,
depois do barulho caótico e dos corpos trôpegos
o tempo é infinitamente perpétuo
o silêncio eterno e terno, a acalmia
só superada pela magia do sono,
as horas, suspensas pelo movimento
quebradiço: um corpo, pesado,
à espera de ser arrumado
vazio como copos, mas cheio de eternidade.
AI! SÃO COISAS SÃO COISAS!
“Uma lição dos últimos anos é que o desejo de modernidade não se traduz sempre no desejo de uma sociedade liberal” Esther Mucznik
acabamos por perceber a caldeirada em que vivemos.
Não conhecia a senhora, pelos vistos é polémica, acarreta às costas os propósitos de um estado bélico e supostamente detentor duma verdade questionável. O que é certo é que me trouxe uma outra verdade que tem muito que se lhe diga. Embora o local onde li esta frase não me permita ler o resto do artigo, e a pesquisa que fiz, se resuma a uma série de opiniões díspares e comprometidas com desígnios um tanto ou quanto perigosos, esta frase, só por si, vale muito mais que ouro.
É pena que, gente muito manhosa, continue a usar a linguagem e desculpas mais do que justificadas por atrocidades fodidas comó caralho, para defender propósitos que em nada impedem a injustiça de continuar a vingar no mundo sob a forma mais impura de liberdade. Pois é, a modernidade é um fardo dissimulado pelos propósitos liberais que vingam na utopia do mundo. Não sei o ela quereria dizer, mas vendo bem, não é importante, pois não há muito mais por onde tentar descortinar.
terça-feira, setembro 9
O CAOS E A CRIMINALIDADE
quinta-feira, setembro 4
NÃO HÁ OUTRO CAMINHO
Os poemas podem ser desolados
como uma carta devolvida,
por abrir. E podem ser o contrário
disso. A sua verdadeira consequência
raramente nos é revelada. Quando,
a meio de uma tarde indistinta, ou então
à noite, depois dos trabalhos do dia,
a poesia acomete o pensamento, nós
ficamos de repente mais separados
das coisas, mais sozinhos com as nossas
obsessões. E não sabemos quem poderá
acolher-nos nessa estranha, intranquila
condição. Haverá quem nos diga, no fim
de tudo: eu conheço-te e senti a tua falta?
Não sabemos. Mas escrevemos, ainda
assim. Regressamos a essa solidão
com que esperamos merecer, imagine-se,
a companhia de outra solidão. Escrevemos,
regressamos. Não há outro caminho.
CORTINA
Era Inverno e nós tínhamos sede.
Talvez por causa do medo, essa forma
de sermos fiéis a nós próprios.
Cambaleámos até ao fundo de Lisboa,
que nesse dia se estipulou ser uma casa
outrora propriedade de um judeu.
Pássaros esvoaçavam numa sala sem gente,
a janela ao fundo, em contraluz.
Escondemo-nos atrás de uma cortina,
espreitando pelo canto da janela
a memória do nosso passado comum.
Depois, estupidamente, discutimos
poesia. Éramos cinco. Decidimos
separar-nos em grupos de quatro.
Por qualquer razão fiquei sozinho.
quarta-feira, setembro 3
O HOMEM QUE NÃO QUERIA
andava pela cidade a chutar latas,
nunca queria, e as latas iam rebolando.
Era alto e o espelho não enganava,
de cada vez que se olhava, pensava,
não quero, detesto a magia do verbo.
Os degraus, enquanto descia,
pois o elevador estava avariado,
nunca lhe trocavam os pés,
contava-os um a um
e lá chegava o murmúrio metálico.
A primeira que encontrasse
seria a primeira de muitas. As latas
quase conseguiam, às vezes, fugir
com o vento, mas ele era teimoso.
Raramente falava, chutava latas
para não estar em silêncio.
Quando encontrava uma mais exótica
não a empurrava para longe com o pé,
guardava-a num saco transparente.
Quantas vezes, enquanto procurava latas,
ouvia: tens uma lata do caralho. Sorria,
mas raramente procurava resposta.
O QUIM
qualquer barulho era razão
para se por debaixo da mesa.
Não gostava de festas e alguns
foliões gozavam quando se agachava
uma estadia mais próspera
determinou o seu estado analítico,
era ferrenho da guerra, acreditava
em demasia nas bombas. O Quim
ao contrário de mim, percebia
o que é isso de estar em guerra, mas vá lá,
para ele, já acabou há uns anos. O Quim
morreu, mas a guerra continua.
OU CONTOS INFANTIS
que os cidadãos do nosso mundo
têm cada vez mais apetência por
livros e música depressivos. Rotulados
como se o descontentamento fosse
sinónimo de uma caixa cheia de
benzidos fármacos, teme-se um oceano
de corpos e de cangalheiros sem mãos
a medir. Faz sentido, já não há caixões
que cheguem ou lápides que representem
condignamente a numerologia da causa.
Sem crer nem saber, meteram-me nesse mesmo
saco, deu-me vontade de rir. Tenho medo
de um dia, outorgado pelo sugestivo estudo
começar a ouvir música alegre e a ler manuais de
como ser feliz no mundo dos palhaços.
LIÇÃO Nº 5
engano. Conjugação: talvez me engane.
Gosto desta irmandade entre elas também.
Também, fascina-me igualmente. É simples,
nenhuma delas nos dá certezas, gosto
da palavra certeza por causa da incerteza
e gosto da incerteza porque é talvez
um engano. Conclusão: gosto também
de me enganar com uma certeza incerta.
MORAL DA HISTÓRIA:
Sou um orgulhoso egoísta como tu.
terça-feira, setembro 2
LAVATÓRIO
uma folha branca, até que se suja.
Depois disso, na mesma folha
na mesma branca, as palavras imundas
pelo dia-a-dia borram o espaço,
na mesma branco, na mesma sujo
as letras carregam o fardo, e por sua
vez, a folha carrega as letras
e os dias ficam mais limpos. Talvez
não seja assim. As horas não se limpam
e as folhas também não se sujam.
Uma folha branca é sempre branca
e só mesmo as mãos se mantêm sujas.
segunda-feira, setembro 1
CACOFONIA DOS MOVIMENTOS DISPERSOS
abriga a sintonia dos interiores desfasados.
Este tipo de veleidades completas
tem muito que se lhe diga, e a vocês também.
Uma pessoa quando obrigada aos mecanismos
regidos pela exterioridade das palas de outrem
e a ultima frase dirige-se a ti, transmuta
a sintonia dos pensamentos programados.
Quanto às veleidades completas perecíveis
de possuir identidade, apenas digo, continuem.
Não me digam que tudo isto é estranho. Para vós
estranho seria andar por aqui e eu dizer
sim está tudo bem. O que até se confirma.
Nas fotografias toda a gente é calma, não fui eu
que o disse, apenas escrevo. É um facto. Nas fotos
do nosso quotidiano, muitas das pessoas até sorriem
e eu derreto-me, adoro alguém com um bom sorriso.
In loco na loucura do momento, alguém ordena
sorriam! estão a ser fotografados, tristes é que não!
Na pista dos pavões apanham-se penas e bonecas
os holofotes nunca enganam, e o ego precisa de comida.
Os animais são qualquer coisa de muito terno
ultrapassam a barreira da racionalidade bruta e
a indiferença só é impossível pelo próprio amor.
Nos manuais metafísicos, e notem, não disse dos,
as crenças alienadas, e notem, não disse crianças
são o caminho mais próximo para a vitória. Ganhar
mais do que perder, é a bandeira partidária
um bom comprimento fica sempre bem na cara mais feia.
Morrer, só se morre uma vez, e mais de uma já é ganância
no que toca à vida é diferente, nunca reparaste?, respirar
não é exclusivo dos asmáticos, acho que nunca te faltou ar
usas bombas todas os dias e tens-lhes um ódio arrepiante.
A contradição já não é um ponto de ruptura, é uma cama feita
não fosse por isso, e a tua não estaria sempre fresca e arejada
pronta para o que der e vier depois de um dia repleto de alegrias
portanto, há muito que mudar na nossa política de marketing.
Os engodos imunológicos abrigam as leis da circulação
fosse eu alguém para lá desta impessoalidade e tu
bem, tu, muito bem tu, gostarias é de sintonias dispersas
dispostas em segmentos pérfidos que albergariam belos gritos.