quinta-feira, maio 10

HORAS?!

- Cinco e um quarto. Embora empolgante, deve ser algo demais para mim...

segunda-feira, maio 7

OCCULTA PECTORIS SEDITIOSA

Viajo pela alma
Como poeira que levita com o vento
Solto-me de rédeas pesadas
Do peso pesado pelo Tempo

Canto uma melodia desconhecida
Uma ária perpetuada pela noite

Nos meus dedos
Uma fragrância, um cheiro a Sentimento
Uma procura necessária pelo Belo…

No meu peito
Um batimento descompassado
O Sonho que não passa de sonho
Uma Esperança que não passa de esperança
Um desalento com tudo o que passa ao lado

Na minha mão
Uma Força, um apelo
Uma Voz, um pesadelo
Um rio que não corre para o mar
Um poema que nada diz
A quem nada quer entender

E assim, sofro, por ver sofrer
E sofro, por ver querer sofrer
E sofro, pela inexistência dum eco
Eco das almas de outros cantos
(Fragmentos dispersos no ser
Pedaços estilhaçados pelas bombas
Pelas bombas do atarantado viver)

A desistência, por vezes é bela
Quando desistir é irremediavelmente sorrir
E se sorrir é necessário
É tanto quanto fugir

E assim a Beleza perdeu-se… é agora outra,
Ficou para trás
É agora um corpo etéreo, como sempre
Fácil de manusear
É uma fuga constante
Incessante, é uma bola-pequena-brilhante…

E o brilho ofusca a Esperança
E a Esperança esconde-se sob a capa do não-querer
E os homens perdem-se na verosimilhança
Na verdade que é esconder!

É isto… o belo o sonho
Os sonhos
É isto que nos reserva orgulhos medonhos!

Eu não fujo, mas sonho
Eu não me escondo, mas vivo
Farto de viver, como enganado
Sonhador
Escondido!

Arreei a minha capa
Entreguei-a como beleza
Fiz peito, dei azo à minha natureza
Sorri de querer ver outros sorrisos

E assim
A Esperança e o Belo redimiram-se
Desistiram de ser meras palavras!...

NADA PARA DIZER

Há dias assim!
Que não se sabe o que escrever
Mas por alguma razão mais forte
Não conseguimos parar de o fazer...

Hoje é um desses dias
Em que me apetece escrever,
Escrever e escrever...
Mesmo não tendo nada para dizer!

As palavras não interessam,
O que interessa é escrever!
Não procuro nenhum sentido.
Nem nenhuma lógica,
Apenas me sinto escrever!

Não sei o que dizer
Não sei que fazer
E por isso mesmo me encontro a escrever!
É estúpida esta vontade,
É inútil a escrita, absurda demais,
Mas que posso eu fazer
Quando nada mais consigo
Do que escrever

Assim me encontro…

Ando às voltas e abandono tudo
Para simplesmente escrever!

Assim sou, assim somos…
Uma repetição enfadonha…

Escrever! Escrever! Escrever!

Escrever e Escrever!

Escrever para me (não) sentir viver…
Por vezes a Vontade tenta exceder-se
Na tentativa de se libertar das amarras corporais
Como se tudo fosse impossível de conter…

Vontade
A cruel inimiga da saudade
A que mais força ganha
Quanto menos força se fizer…

sábado, maio 5

MEMÓRIA ANTECIPADA

Hoje por força da vontade inesperada que me acordou, decidi dar corda com comprimento suficiente para puxar as lembranças de infância como quem puxa água de um poço. Um poço que ainda não é muito fundo, mas como o tempo rola não há grande tempo, nem profundidade suficiente, para alcançar esse fundo que é tão estimulado pelo jogo das circunstâncias e coincidências que dá rodinhas à gigantesca máquina em que se tornou a sociedade de hoje amanhã e sabe-se lá mais quanto tempo. Avivado por não-sei-o-quê concretamente, senti em mim uma força enorme de agir perante um tumulto, o tumulto do espírito, a luta incessante contra as tropas da razão que nos foi dada como prenda de natal, a destruição com as amarras da prosaica vivência.

Não acordei nada cedo. O costume.

Um bafo sonolento dispersava-se pelo quarto como nevoeiro de verão, era esse o ar que se respirava, como se a cama tivesse umas presas plumadas e macias que me impedissem de sair dela com a maior das naturalidades. O sol, lá fora, aproveitando as frinchas existentes, demonstrava a sua força, denotando na luz o seu orgulho, o orgulho de quem cada vez mais se aproxima de tudo quanto pode. Abro a persiana. Os carros passam a escassos metros da minha tela para o mundo, não os vejo, mas ouve-se bem a sua voz violenta e incomodativa.

«Belo dia!»

Depois de comer, ruminar, colar ao computador, coçar-me, tomar banho e ruminar mais um bocadito, decidi deixar-me levar pela tal vontade inesperada de que falo.

Ao sair da minha porta encontrei uma familiar que já não havia há coisa de um ano, mais coisa menos coisa, a minha Prima; fiquei sem dúvida surpreendido, mas não muito, devido a relatos de meus conhecidos que a viram um dia destes e me disseram que estava fresca e jovial como sempre. Nem sei que idade Ela deve ter, mas penso que já deve ter uns quantos anos. Contava-me histórias do tempo em que os antigos egípcios estavam de pé, e isso é sem dúvida alguma motivo para colocá-la nessa época da história; hipoteticamente deve ter nascido no tempo em que o império se começou a desmoronar. Como nunca me disse a idade, reconhecendo ela que é acto de mulher que se preze e que a uma mulher nunca se deve perguntar a idade, qualquer hipótese remota que possa dar percebas quanto à sua temporalidade é sempre motivo para ser colocada como possibilidade.

Adiante.

Disse-lhe olá sem falar, apenas um sorriso de contentado. A sua luminosidade era tanta que tive que pôr os óculos para conseguir ver os seus contornos. Sorriu-me, com aquele sorriso de quem ri de tudo para tudo.

Nada me disse.

Com a imponência do querer ver, consegui convencê-la a acompanhar-me sem me esforçar muito. Os seus passos eram suaves. Os seus movimentos fluidos como o escasso vento que lambe cara e pescoço. A sua presença era como o nevoeiro de éter, alma sem corpo, só espírito e subtileza vital.

Os carros continuaram a passar, faziam-se ouvir quebrando o silêncio da minha prima que só vejo uma vez por ano; mas no entanto, o silêncio continuava a persistir, fragmentado, mas sempre ali, entre as concavidades dos barulhos do subúrbio. A persistência motivada pela sua etérea presença esbatia cores sobre os barulhos a agitação e sobre tudo o que dá forma ao desenrolar dum dia da semana, dando ao dia um aspecto surpreendente e minimamente reconfortante. Acompanhou-me até ao final do meu passeio pela rua da memória. Sempre fechada em si, na sua beleza, para demonstrar a sua graciosidade.


Pelo caminho, talvez no autocarro, apercebi-me do porquê da vontade inesperada. Acho que foi aí que percebi o quão divinal poderia ser a tarde. No sítio mais inesperado deparo-me com este raciocínio, esta conclusão orientada, como quem recebe um soco sem luva. O soco pôs-me mais atento como quem escrutina tudo para conseguir fugir de um futuro. Atento. Embriagado pela ambiência proporcionada por uns singelos e fiados raios de sol no meu quarto, ambiência mínima que foi crescendo ao ritmo das conclusões circunstanciais, lá estava eu já fora do autocarro, de passo determinado, com leveza de espírito suficiente para escorregar, inocentemente, entre as superfícies áridas e ásperas da calçada gasta pelas calcadelas apressadas do tempo. Fora do meu corpo, as recordações amplificadas pelo estado em que me sentia abstraíram-me de todas as estruturas habituais. A estrutura era agora só uma. Não era eu, não era a minha prima, nem tão pouco tudo o que me rodeava: era tudo isso e muito mais numa bela singularidade triangular.

De repente encontrava-me entre as muralhas da memória da minha infância. Dentro daquela área eu era de novo criança, tinha menos de cinco anos. Ali, naquele espaço limitado pela inocência dos velhos outros tempos vindouros, senti-me de novo pequeno. Uma pequenez tacanha mas bem recordada… As ruas estavam iguais. As casas iguais estavam. O céu estava à mesma distância, à distância duma vontade. Com passos curtos fui embrenhando num farto tufo de algodão. A cada passo sentia menos o chão como se começasse a levantar voo. De repente estava perdido, a estrada da minha infância já não existia, consequentemente tive de voltar para trás para retomar o passo curto. O percurso era íngreme, quanto mais descia mais alto me sentia. O sentimento era cada vez mais bruto e puro. Memórias do bairro que surgia sob os meus olhos brilhantes percorriam-me o cérebro a uma velocidade confusa e espantosa…

Sons estridentes eram o pão-nosso de cada dia, eram o pão amassado pelo diabo que alimentava muitos seres embrutecidos pela irresponsabilidade de viver. O bairro era grande e sobrepovoado. As casas, de apenas três ou quatro divisões escondiam e debitavam os berros abafados de quem lá vivia. Mas no entanto eram o palco exterior das minhas brincadeiras maravilhosas de que tanto tenho saudade. Tenho, agora que penso, saudades de Tânia, a minha extinta e fiel companhia de brincadeira. Das festas de anos em que a mesa era um tanque de cimento armado com uma tábua de madeira. Saudades do Pata Descalça, que por muito que o obrigassem a calçar e lhe dessem sapatilhas novas andava sempre descalço; fosse por onde fosse, pelo paralelo frio, pela terra quente ou pelos montes agrestes que espaçavam o vão de escadas que não eram mais do que casas. Bem lá distantes os pneus sem jante que rolavam sobre o chão empurrados por um pau qualquer encontrado pelo bairro. As bolas de borracha hiper saltitantes que teimavam em fugir das mãos dando uma vontade ainda maior de as apanhar. A voz amplificada da minha mãe, que ressoava na arquitectural configuração bairrística, na hora duma refeição ou do recolher anoitecido. O barulho das bolas a bater nas garagens naquela rampa íngreme a que chamávamos de campo da bola. Saudades da peixeira que passava com a sua voz grossa de bom som a apregoar peixe fosse qual ele fosse. Da família de ciganos que atirava o pequeno-almoço do terceiro andar ao seu filho que se encontrava a uma distância de vinte ou trinta metros no recreio da escola que ficava do outra lado da rua íngreme da casa da minha avó. Do gato da minha avó de nome Tareco que sorrateiramente se enfiava debaixo do cobertor para nos aquecer e aveludar os pés; saudades dos banhos de bacia e de água aquecida pelo fogão jorrada enternecedoramente sobre os meus caracóis dourados; de ouvir a chuva bater harmoniosamente sobre os telhados de chapa e acrílico que davam forma à casa da minha avó. De ir à fonte da rija beber água pelo simples prazer inocente de beber água da fonte. Dos campos de milho onde se ia buscar o vinho doce para os adultos e entretanto se roubavam espigas para desespero dos donos dos milheirais; das correrias frenéticas como quem foge dos donos que viram roubar as espigas...


23 de março, 2007