
Invadem-se campos e destroem-se culturas de flores milenares
Os amantes de flores choram de raiva e gritam não e nunca!
Sentem o seu mundo de sonhos inebriantes a ceder
A ruir como água suja a cair para um esgoto ao sol
Tão cedo imaginariam esta chegada
Andavam demasiado ocupados na sua insipidez
No seu nada para a vivência exceptuada ao vegetalismo
Agora insurgem-se finalmente insurgem-se
Estão vivos finalmente vivos e com força para viver
Desde sempre se quedaram nos gestos vestidos
Cada vez mais embalados pela velocidade de tudo
Adormecidos fetos da acção hermética que tanto delicia
Não percebem o que se propõe ao calcar os seus jardins
Não percebem só porque estão demasiado ocupados em podas
Não percebem a força verosímil das palavras
Não percebem nada porque atribuem a culpa à própria morte
Coitados
Tenho pena da vossa ignorância mas percebo-a
Tenho pena de mim até mas percebo-me e aceito-me e aceito-vos
Tenho pena de todo este mal entendido e da vossa mesquinhez de viver
Mas afinal ainda se impõem
Ainda lutam fortes e incongruentes
E isso maravilha-me e a isto chama-se optimismo
Talvez a dose de optimismo que aconselham para as regas
Não têm com que se preocupar
Não chorem mais não gritem mais não me odeiem
Canalizem tudo isso contra os vossos corpos
Lutem contra a vossa ignorância e passividade
Deixem de me ver morto só porque sou todas as vozes
Todas as sombras e todos os males e tudo o que é vosso
Lutem como animais espumosos
Ajam por instinto e esqueçam-se de pensar
Percebam o que escrevo duma vez por todas
Percebam que a escrita também tem propósitos
Percebam que a arte só é fútil quando como vocês
Abram os olhos para não me repetir
Abram os olhos e enjoem e ajam e sejam
Abram os olhos e vejam a razão pela qual escrevo
A minha pretensão não vai para lá dos vossos gestos
Não é mais que um meio para vos espicaçar
É uma pretensão escrita maior que a própria religião
Uma pretensão contra a religião
Uma pretensão contra qualquer tipo de moral
Uma pretensão pretensa em ódios
Uma pretensão que nos arruína e nos eleva
É a ira a roer as concavidades do corpo
A força do teu sangue podre e nauseabundo
A condensação do que afugentas cambaleante
O limite a destruir todas as barreiras da incapacidade
Tudo serve para te ver vivo
Para perceber que ainda te mexes
Que a arte está morta mas pode respirar
Que o cheiro a mofo que dela exalas é apenas circunstancial
Que o requinte na arte é só mais um luxo
Uma característica duma nova classe
Que a beleza na arte é uma necessidade
Uma via para desligar o mundo e criar sobre ele
Que o mundo é a arte e a arte é o mundo
Sois animais convictos dispostos a selar pactos
Animais ecléticos pela seriedade de Hipócrates
E o discurso paralelo é apenas mais uma arma
E vocês só não morrem porque não quero
Quero-vos vivos a fervilhar em ideias
A construir tudo o que destruo com afinco
Para lá das palavras para lá dos sonhos
Percebam o que escrevo duma vez por todas
Percebam que a escrita também tem propósitos
Percebam que a arte só é fútil quando como vocês
Que sois animais convictos dispostos a selar pactos
Animais ecléticos pela seriedade de Hipócrates.