sexta-feira, agosto 17

A escrita é algo de pessoal transmissível, é um acto de identificação que une quem escreve sobre quem lê. Uma maneira de pensar como o requisito justificável para agir, torna-se força de quem escreve, como que uma chamada ao âmago de quem interpreta de livre vontade, por gosto. É um acto de altruísmo mútuo, uma mensagem e um eco do outro lado, um jogo de ecos desmultiplicados em estado instável mas repetidos até à verdade. Torna-se tudo claro entre nós, emissor e receptor, entre aquilo que só nós compreendemos de uma forma solitária, numa autêntica implosão introspectiva que nos faz girar concentricamente tolhendo-nos a acção como se não tivesse sido compreendido o necessário, o que nos faz sonhar até ao dia em que agimos em prol das pequenas coisas que poderiam ser diferentes, particularidades que nos descontentam, suposições do que poderia ser. Aí, a mensagem, por muito que dissimulada, seria assimilada à vontade do escritor, o descontente, o que procura preencher o seu tempo com o desejo de no mínimo perceber e constatar o que é o mundo de hoje, que embora retardado mesmo no passado continua a ser um olhar para o lado daquilo que queremos cada vez com menos noção das coisas, do geral, aquilo pelo qual sonhamos sós com os nossos botões. Aí concretiza-se um referido eco, um eco inaudível mediante uma superfície dura que teimamos em deixar de pé, como que um muro entre uma vontade e um grande propósito. Um muro tão alto que desmoraliza-nos só de olhar, como quem conclui: «nem tento, parece um demasiado alto!» Como se liberdade nos tivesse sido espremida como uma laranja fresca e progressivamente biológica, cada vez mais seca e inoperante, como se a mentira fosse verdade em tempos de liberdade anárquica.
O mundo é uma anarquia! Embora carregado de guloseimas várias e em suficiência para nos adocicar a boca, é um lugar em que a vontade colectiva encontra-se num estado simbolizado pelo abstracto imposto pela turbulência do futurismo instantâneo, ao ritmo de um corredor de saltos barreiras que não pula sobre as altas barras horizontais, tropeçando em todos os degraus sem perceber ao fim dos quantos tropeções que mais barreiras se interpõe pela frente e os mesmos tombos no precipício não nos deixam ganhar a corrida desvairada e reconfortante. A liberdade existe, dum quadrante ao outro, de propósito a propósito. É algo adquirido pelo homem lutador contra a barreira não limitadora que é o tempo. Hoje em dia, nas horas, minutos e segundos de acção selvática o limite não se limita a ele próprio, o limite está na formalidade ilimitada. O político age segundo os seus interesses, o prosaico ser elege-o de livre vontade e arrepende-se de tal eleição. O ritmo transtornado da locomotiva em que viajamos percorre um caminho sem rumo desgovernado pela liberdade de acção de quem torna bem real o que não quer para si enquanto individualista sonhador que não partilha das suas conclusões com o vizinho do lado que ouve música de mau gosto a som demasiado elevado. Mais uma vez uma parede interpõe-se. Uma fina parede. E quem fala numa, pensa irremediavelmente em todas as outras paredes frágeis que separam as pessoas na sua condição de humanos encaixotados e formatados, como se um simples soco arrebatador e explosivo não fosse suficiente para aniquilar a barreira que limita o descontentamento. Por enquanto vamos vivendo uma liberdade que não nos satisfaz. Seguindo trilhos cruzados que nos fazem chocar em nós, nas nossas contradições suficientes. Privando-nos livremente duma outra liberdade.

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