quarta-feira, junho 14

O problema das massas




A Vontade não se afirma, tornou-se numa pluralidade enfraquecida, a força já não é só uma (a natureza) mas várias subdivisões que nos confundem e esvanecem. Nunca até então a vontade foi tão vendida e ramificada; a de mudança dos padrões sociais esgotou-se a partir do momento em que a despreocupada sociedade se propôs a dar-nos uma vida aparentemente melhor, no etéreo e longínquo dia em que a preguiça começou a rebolar como uma exponencial bola de flocos de neve. Aí começou a sua odisseia. O mundo tomou o rumo da destruição da força de vontade, perdeu a sua vida e tornou-se num esquartejado fantasma. Só no dia em que os homens largarem o peso de todas as ociosidades não necessárias (mesmo aquelas que aparentam levar-nos à mudança) é que nós conseguiremos agarrar a verdadeira vontade: a que nos rói e teima em não ganhar vida. O hábito molda-nos, só aí conseguiremos ter força para agir e para nos elevar a deuses patéticos, com toda a digna e verosímil ingenuidade, sem falsas necessidades nem ilusórias preocupações. E para que este utópico dia chegue é necessário dar outro sentido à palavra utopia, é preciso que nos deixemos de sonhos e nos queiramos naturalmente preencher. Merda já há muita, as coisas não estão bem, o mundo não rola bem, mas o eixo ainda não se quebrou! A Vontade está dividida mas ainda tem uma origem e só a origem nos levará à equilibrada vivência e só a equilibrada vivência nos fará verdadeiramente felizes e só a felicidade nos levará à morte sem receios. Perdi a vergonha, chamem-me louco, chamem-me tudo e mais alguma coisa, mas assim não somos verdadeiramente felizes, nem nunca o seremos. Enquanto não convergirmos os nossos ideais diferentes e abstractos para a mesma origem ou para uma maior proximidade da verdade, estamos a deixar que tudo o que como verdadeiras pessoas sentimos, nos tolha, nos preencha de uma aparente submissão agradável. Deixamos que o nosso caminho não tenha sentido e que a vontade se torne numa apatia caprichosa, numa baça sombra sobre um qualquer pedaço de betão. Não acredito em milagres, nem em fórmulas mágicas, mas ainda acredito na força de vontade e sinto que um dia todos nós vamos ganhar vida para conseguir impedir esta caminhada cada vez mais ofegante e sem sentido. Enquanto escrevo penso em todos aqueles que tal como eu escrevem no papel, no computador ou em pensamento, a sua insatisfação, os que escondem, os que mostram e os que escrevem por escrever…. Milhares que se vão arrastando até ao dia da sua morte, vazios e injustamente preenchidos pelo desagrado. Penso agora na última frase dactilografada e ocorre-me: os velhos são na sua maioria uma cambada de resmungões. Porque será? Pelo simples facto de que se arrastaram pelo tempo sem verdadeiramente viverem, sentem-se arrependidos por se deixarem levar anos a fio por vias escuras e alienantes. Há quem diga ou pense que essa amargura é inevitável, que se deve à proximidade com a morte… Sinceramente, não faz sentido, quando nos sentimos verdadeiramente realizados e preenchidos nem a morte nos pode assustar!

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